Solar dos Presuntos – um clássico para o futuro

O Solar dos Presuntos é um clássico da restauração lisboeta e um caso sério de sucesso desde a sua abertura em 30 de outubro de 1974. Durante estes quase 50 anos pouco mudou nesta casa fundada por Evaristo e Maria da Graça Cardoso, um restaurante de atendimento familiar e que honra a cozinha minhota. Com a entrada do filho Pedro para o negócio, o que já era bom ficou ainda melhor e o restaurante consolidou-se com o passar dos anos. Em 2016 deu-se o início das grandes mudanças, com as obras para uma expansão a serem iniciadas, mas que acabaram por sofrer constantes atrasos pelos achados históricos, entretanto descobertos nos terrenos e, mais tarde, pela pandemia. Foi apenas em meados de 2021 que as benfeitorias ficaram concluídas e o Solar dos Presuntos apresentou-se de cara lavada, mas de essência intacta, com dois pisos gigantes, uma cozinha maior (e aberta), um amplo lobby, uma esplanada e uma academia para formação e workshops. “Podia ter continuado com o espaço de antes, mas se calhar daqui a dez anos estava morto. Não conheço um outro restaurante que tenha as capacidades estruturais que este tem. Apostámos forte e conscientemente, com capital próprio, porque acreditamos na cozinha tradicional, na restauração e em Portugal”, conta-nos Pedro Cardoso, o grande responsável pelos avanços recentes do espaço e com quem a INTER magazine se sentou à conversa sobre passado, presente e futuro – que terá mais uma geração a comandar o negócio, a sua filha mais velha, Carolina. 

O caminho para um legado 

Aos 7 anos, o pequeno Pedro passava mais horas do que aquelas que desejaria uma criança da sua idade no trabalho dos pais. Apesar de ter nascido dentro da restauração, esse mundo nunca lhe disse muito, afinal era por culpa do restaurante que não podia ter os pais a todas as horas, só para si. Cresceu, portanto, como uma certa aversão ao setor. “Eu olhava para a vida deles e achava um inferno! Não percebia o facto de eles viverem 24 horas no e para o restaurante”, começa por dizer. Foi apenas aos 18 anos, na iminência de entrar para a faculdade, que algo mudou. “Aconselhei-me com a minha professora de química e mostrei interesse em ir para a Universidade, mas ela parou-me logo e sugeriu que, como tinha o restaurante dos meus pais, me dedicasse a isso. Eu acho que ela via em mim um tipo com uma certa facilidade de relacionamento e que adorava conversar. Aquilo bateu-me e fiquei a pensar”, confessa. A professora não estava errada. Rapidamente, Pedro ganhou entusiasmo pelo trabalho num restaurante começando o seu percurso do zero e a fazer “um bocadinho de tudo”. Foi isso, aliás, que permitiu, ainda que com alguma rebeldia da época, pudesse aplicar mudanças no espaço com a introdução de novas tecnologias, por exemplo. “O meu pai sempre me deu liberdade, ele recebia bem as minhas ideias, mas eu tinha que provar que resultavam. E eu sei que hoje ele me dá um tremendo valor, mas também sei que ele tem receio que o caminho que estou a traçar não seja o correto. Mas é normal, os pais têm sempre medo que os filhos falhem e é essa a minha preocupação agora. Quero deixar um restaurante bom para a minha filha não falhar. O meu percurso está feito,” frisa. 

Carolina Cardoso formou-se na área da psicologia e, mais tarde, da produção de espetáculos, chegando a trabalhar nesta última. Foi apenas há seis anos que decidiu juntar-se ao pai, primeiro no backoffice e agora como relações-públicas e na gestão de recursos humanos. À semelhança da imagem do progenitor, é agora Carolina quem vai apresentando ideias novas para aplicar no restaurante. O pai ouve e, quase sempre, confessa-se surpreendido. “Ela apresenta-me ideias e nada me faz sentido, mas depois a verdade é que as colocamos em prática e tudo passa a fazer. E resultam”, comenta orgulhoso. Um desses exemplos foi a reformulação dos modelos de horários dos funcionários do restaurante (cerca de 70) que foram reajustados como forma de reduzir as suas cargas horárias e assim conseguir oferecer melhores condições de trabalho. “Contratámos pessoas para fazer a mise em place que os empregados de sala teriam de fazer, como cortar o pão, limpar copos ou talheres, e isso originou uma redução direta no seu horário de trabalho. Agora, a sala entra mais tarde e sai mais cedo – eles andam hiper satisfeitos”, explica o responsável que acredita que, cada vez mais, o caminho da restauração passa precisamente por aqui. “Se os funcionários estiverem bem-dispostos, conversam mais com o cliente, trabalham melhor. Quanto melhor o ambiente de trabalho, melhor para o restaurante.”  

De volta a Pedro, o que afinal fê-lo enamorar-se do mundo da restauração? “É a minha loucura! No restaurante a perfeição é impossível de alcançar, mas todos os dias podemos ser melhores. E eu sou muito intuitivo, olho para uma mesa e vejo sempre algo a melhorar.” De acordo com o proprietário, o que diferencia o seu espaço dos demais é o facto de ter na sua matriz a tradição portuguesa, “mas sempre na vanguarda”.  

Entre a tradição e a evolução 

Três meses antes de a pandemia ser declarada, o chefe que comandava os fogões do Solar dos Presuntos há três décadas, José Silva, sai repentinamente do projeto por motivos de saúde. Nessa altura, dá-se uma restruturação na cozinha com a contratação de Hugo Araújo (que antes chefiava o Alquimia do H2otel Congress & SPA, na Serra da Estrela), que “agarrou em tudo o que o Zé tinha e esquematizou bem as coisas, as fichas técnicas”.  

Apesar desta mudança, algo que Pedro se orgulha é de nunca ter mudado nenhum prato da carta, bastante focada na cozinha de Monção. O conhecimento dos cozinheiros que há décadas trabalham no restaurante continua a ser o maior segredo da casa, cujas mãos sabem de cor receitas de pratos ex-líbris do espaço, como o arroz de cabidela, o arroz de lampreia, o cabrito e a açorda. São estas mãos, aliás, que passam os ensinamentos a quem mais novo entra. “Ao longo dos anos, algo que sempre mantivemos foi a qualidade do produto e esse tem um preço. Os clientes sabem que encontram no Solar dos Presuntos a melhor matéria-prima!” 

Tal como na carta, no espaço, a tradição e a evolução andam de mãos dadas nas míticas molduras anexadas nas paredes do restaurante – que por lá ainda continuam mesmo após a renovação. Cardoso explica: “Mantivemos as antigas neste espaço e agora temos planeado fazer molduras digitais. É um museu! O nosso segredo é a autenticidade em tudo o que fazemos.” O passo seguinte passa por manter a consistência e sustentar o negócio, sobretudo depois dos acontecimentos recentes.  

Umas das novidades que o Solar dos Presuntos agora apresenta é a sua academia, a abrir portas muito em breve, cujo objetivo é convidar chefes a dar aulas de cozinha (que serão documentadas para estarem disponíveis num canal para esse efeito), workshops, entre outros e também recrutar jovens cozinheiros e dar-lhes condições para que possam aprender num restaurante que se identifica como tradicional português. “A cozinha tradicional é tratada como o parente pobre da restauração, mas é a bandeira de Portugal. Essa cozinha parte muito de saber usar os sentidos ao contrário da cozinha molecular, por exemplo, que obedece muito a regras.” Também para março está prevista a reabertura de uma esplanada exterior (após um período fechada), com um mural da autoria de Vhils que homenageia o casal fundador da casa. Esta terá um serviço mais descontraído e jovem, comandado por Carolina, e com uma carta a seguir essa linha, acompanhada de uma agenda cultural e musical diversificada. 

Ainda que a fase que vivemos não esteja a ser fácil para a maior parte dos restaurantes, o restaurador acredita que Lisboa continuará a ser uma grande capital da gastronomia e cada vez mais apetecível para os turistas. O Solar dos Presuntos, esse, venha m as restruturações que vierem, continuará a ser o mesmo. Palavra de Cardoso. 

NOTA: Este artigo foi publicado originalmente na revista INTER Magazine e é da autoria de Catarina Amado. 

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