Ana Magalhães – a primeira Chefe Cozinheira do Ano do Século XXI

Aos 26 anos, Ana Magalhães, subchefe no Hotel Six Senses Douro Valley, em Lamego, fez a prova da sua vida e sagrou-se vencedora do histórico concurso Chefe Cozinheiro do Ano. Ana fez história ao ser a primeira mulher em mais de duas décadas a ganhar a competição. O palco do presente e do futuro da cozinha é agora dela.

Nascida no Porto, passou grande parte da sua vida em Lamego, no Douro. Formada em Gestão e Produção de Cozinha na Escola de Hotelaria e Turismo Douro-Lamego, iniciou o seu percurso no Hotel Rural Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo, passando depois pelo Hotel Vila Park e pelo Falésia Hotel. Em 2014, chegou ao Hotel The Yeatman depois de uma primeira experiência no Hotel Six Senses Douro Valley – para onde voltou em 2019, primeiro como chefe de partida e, mais tarde, como subchefe, cargo que exerce atualmente. Pelo meio, e ao longo de três anos e meio, solidificou conhecimentos no Hotel Casa da Calçada.

Em 2022, arriscou uma participação no Chefe Cozinheiro do Ano com um menu composto por “pratos simples que sempre me lembro de ver a minha mãe fazer com recurso à técnica e a uma apresentação mais cuidada”. Após ganhar a fase regional do concurso na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, venceu a final nacional em junho.

Para conhecer melhor a chefe, falámos sobre a sua vitória e o que se segue para o futuro. 

Aos 26 anos, ganhas o Chefe Cozinheiro do Ano. Era algo que ambicionavas?

Ganhar não era de todo o meu objetivo principal. Estava mais focada em ser selecionada e fazer a etapa regional pois queria colocar-me à prova e este género de competições são uma excelente forma de o fazer.

Como te preparaste para o concurso e quais foram os principais desafios?

Fiz testes com diferentes pratos que tinha em mente, sempre ligados às minhas origens, aos aromas e sabores de infância. O meu maior desafio foi mentalizar-me que iria concorrer numa prova a nível nacional e também contra a minha chefia direta. Dos 18 concorrentes apurados, um era meu chefe no Six Senses e outro um antigo colega. ((o chefe de Ana, Nélson Amorim estava a concorrer na mesma etapa regional).
Outro desafio foi a preparação de todo o material e matérias-primas e também as noites sem dormir para treinar nas folgas ou depois do trabalho.

De que forma é que o menu que apresentaste no concurso te representa enquanto cozinheira? 

Representa-me muito porque gosto de pratos simples em que o sabor seja realçado e de usar produtos da região tendo em conta a sua sazonalidade. O que fiz foi pegar nos pratos que sempre me lembro de ver a minha mãe fazer e trabalhá-los com mais técnica e uma apresentação mais cuidada. A minha sobremesa “Leite creme de alfazema, chocolate, mel e limão”, por exemplo, representa o meu verão enquanto criança. A piscina no centro é o leite creme, o crumble de chocolate representa a areia nos pés, o granizado é inspirado naqueles gelados de sumo que comia depois de sair da água. E depois, a escolha da alfazema é porque é o meu chá favorito e tenho algumas plantas desse chá no quintal, bem como, alguns limoeiros. O elemento do mel utilizei porque quase sempre em criança era picada por abelhas. Já o vinho do Porto entra no sentido de enquadrar a região do Alto Douro Vinhateiro.

Em que cozinha acreditas?

Acredito numa cozinha justa: falo de horários a salários. Passamos muitas horas no nosso local de trabalho e tudo influencia o nosso estado de motivação. Uma cozinha simples, com sabor, com história, com paixão onde reine toda a harmonia entre todos os seus elementos. Acredito também em fazer uma cozinha adaptada a todos os tipos de intolerâncias. Eu, por exemplo, por questões de saúde, não posso comer glúten e lactose e isso não me fez deixar a cozinha, fez-me adaptar.

Qual a tua maior ambição enquanto cozinheira?

A minha maior ambição enquanto cozinheira parte por trabalhar e comprar matérias-primas a produtores locais, saber de toda a sua origem, ter sempre em conta a sua estação e respeitar os produtos ao máximo. 

É inevitável mencionar o facto de que a última mulher a vencer o CCA foi algo que aconteceu há já mais de duas décadas. O que significa para ti e para as mulheres da indústria esta vitória?

É uma vitória para todas nós! Os comentários que mais tenho ouvido são de que uma mulher consegue tudo o que ela quer e que somos tão ou mais capazes que os homens. Algumas mulheres olham para mim como uma referência, mesmo que não acho que o seja.
O que eu fiz foi lutar e batalhar como se em cada prova estivesse a dar mais um serviço , simples assim! Não me deslumbrei com nada, estava feliz apenas em participar. No meio disto tudo, o que mais me emocionou foi pegar na jaleca com o meu nome e esta ter um corte de mulher!

Voltando ao início de tudo, quais eram as tuas influências na cozinha enquanto miúda? 

A minha maior influência é sem dúvida a minha mãe, foi sempre ela que cozinhou em casa. Tudo o que sei de tradições e cultura regional é através dela. Em certas alturas do ano temos o costume de comer coisas muito específicas e isso é fascinante para mim! Quando era mais nova gostava de ter seguido a área militar, o exército sempre me fascinou muito por influência do meu pai. No entanto, aos 14 anos, uma vizinha que era formadora na Escola de Hotelaria e Turismo do Douro – Lamego, levou-me a fazer uma visita guiada à escola e os meus olhos brilharam. Inscrevi-me, fiz as provas e entrei. A minha vizinha acabou por ser minha formadora de pastelaria e também uma inspiração. Admirava o seu trabalho e queria ser como ela. Lembro-me que era notório o seu amor pela profissão e eu queira sentir isso, também.

Hoje em dia tenho uma postura um pouco dura na cozinha pois a disciplina é algo que tenho presente em mim. Neste ponto, realço o gosto pelo exército, são valores que me fascinam. Muitas vezes digo que “missão dada é missão cumprida”. Eu zelo muito pela camaradagem entre colegas de equipa.

Já passaste por hotéis e restaurantes do norte, muitos no segmento do fine dining. É essa linha que queres seguir no futuro?

O fine dining é uma grande paixão. Enquanto trabalhei em alta cozinha sentia-me imensamente realizada mas decidi voltar a casa e trabalhar com outro conceito e produto. Recentemente descobri o gosto por trabalhar com o fogo e, neste momento, é mais dentro desse conceito que me vejo a trabalhar. Sentir o calor, todos os cheiros e sabores ali presentes… Mas ainda não decidi qual o tipo de cozinha que quero para o meu futuro, ainda é tudo muito recente e é preciso dar o passo certo.

Foto: Filipe Vera-Cruz

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