Com organização do El Corte Inglés e La Vida Ibérica, decorreu na sala de Âmbito Cultural do El Corte Inglés, sob a presidência de D. Enrique Hidalgo, a segunda sessão dos “Sabores e Paladares Ibéricos,” desta vez focada nos vinhos da Macaronésia, ou seja, Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde. Se Cabo Verde esteve ausente nos vinhos, as Canárias brilharam através da presença de Pilar del Río, viúva do Nobel José Saramago, celebrando os 100 anos do seu nascimento.
Reuniram-se ali então uma curiosa mistura de agentes da cultura, incluindo neste vasto campo os vinhos e a gastronomia, mas também a literatura, no seu maior expoente, nível Nobel, nada menos, e ainda o turismo, aquela pulsão que faz viajar as gentes para ver coisas novas, sentir coisas novas, provar coisas novas, imergir-se em mundos novos. Após apresentação de Sara Peñas Lledó, que coordenou o evento, falou D. Enrique Hidalgo, e então brilhou alto a sensibilidade de Pilar del Río, que falou de Saramago e da sua obra, mas também da sua relação com a ilha de Lanzarote e seus vinhos, e até da relação de José Saramago com a mesa e o copo. Saramago, suspeitávamos todos, era espartano, mas fazia questão de receber bem, e tinha sempre vinhos do Porto nas suas viagens, mas depois passou a levar vinhos da sua Lanzarote. Pilar contou-nos da viticultura heróica de uma ilha de solos vulcânicos onde a mão do homem escavou as cinzas para encontrar terra firme que alimentasse as cepas em buracos escavados no solo negro, para protecção contra os ventos salgados que tudo queimam à sua passagem.
Pilar, del Río e por via de Saramago, de todos nós, deixou todos com a lágrima a assomar ao canto do olho, mas depois seguiu-se Luis Antunes, que falou dos vinhos e sua expansão por via dos padres católicos, das semelhanças entre as ilhas, das diferenças entre os vinhos, das castas, das especificidades de cada sítio neste conjunto de arquipélagos que juntam 2 ilhas na Madeira, 9 nos Açores, 8 nas Canárias e 10 em Cabo Verde. Cada sítio tem sua história que justifica o estilo de vinho, desde o Licoroso não fortificado do Pico, aos vinhos secos dos Açores, os estilos clássicos da Madeira, que se confundem com castas, Malvasia, Bual, Verdelho e Sercial, para esquecer por agora os Bastardos, Tinta Negra Mole e Listrão, e ainda mais o tinto Madeirense que se serviu depois no cocktail, ou seja, cada território de vinho está vivo e exerce-se ao sabor de quem o explora. As Canárias fazem vinhos secos, têm melhores condições para um amadurecimento que não exige fortificação, e tem 11 denominações de origem, onde brilham castas como Malvasia, Baboso Negro, Vijariego, ou Negramoll. Tudo se esfumou em enchidos e queijos dos Açores, depois do brinde com Barbeito RainWater, um nome criado por Mário Barbeito, avô do actual Ricardo Freitas, CEO da Barbeito, que não quis reservar para a sua companhia tão auspicioso epíteto e o deixou livre para todas as companhias da Madeira que o quiserem usar para um verdadeiro vinho de festa, um Madeira afável e cordial, com acidez afiada como é preciso, mas um corpo cremoso que lhe dá grande serenidade final. Foi um dia bom.
Texto: Luís Antunes
Foto: DR