Entrevista Christian F. Puglisi: “Gasta-se muita energia a manter uma espécie de imagem, ao invés de se pensar naquilo que realmente se quer fazer!” 

Texto: Ana Luísa Bernardino
Foto: Humberto Mouco

Italo-dinamarquês, foi sous-chef do Noma e depois chef do Relæ, uma estrela Michelin e várias vezes distinguido como um dos 50 melhores restaurantes do mundo. Não é que isso seja o mais importante — estes prémios, considera, “não fazem sentido”. Há outros aspetos mais relevantes, como compreender o que verdadeiramente se ambiciona.  

Existe relação entre restrição e liberdade? Para Christian F. Puglisi, estão intrinsecamente ligados. Quando deixou o cargo de sous-chef no Noma, o italo-dinamarques lançou-se ao primeiro restaurante em nome próprio. E, claro, deparou-se logo com uma série de limitações — trabalhou com o que tinha: muita vontade, curiosidade e pouco dinheiro. E foi essa a sua sorte. No então impopular bairro de Nørrebro, hoje uma super-melting-point na cena gastronómica de Copenhaga, abre, em 2010, o Relæ, “anti fine dining”, restaurante de veia rebelde, revoltada, que não procura consensualidade no universo da alta cozinha. De música alta, o comensal servia-se a si próprio de água, não havia ninguém que o encaminhasse para a casa de banho. Zero investimento em mordomias. A atenção foi, antes, direcionada para a cozinha, para a proposta gastronómica: um menu degustação de poucos pratos, com ótimo produto, criativo, muitíssimo bem pensado. As suas limitações deram-lhe espaço para pensar livremente aquilo que, realmente, queria fazer — e, sem qualquer pretensão, fazendo exatamente o oposto ao que era esperado, não só foi distinguido com a primeira estrela Michelin, como foi, várias vezes, incluído na renomada lista dos The World’s 50 Best.  

Uma das figuras mais proeminentes no movimento da Nova Cozinha Nórdica, Puglisi lançou, entre 2010 e 2014, uma série de projetos-irmãos. Cinco espaços distintos e complementares, um ecossistema onde circulavam recursos e conhecimento, que diminuía o impacto ambiental, elevando a qualidade do produto. Depois do Relæ, vem o Manfreds, bar de vinhos, o Mirabelle, padaria (transformada depois em restaurante, o Mirabelle Spaseria), o BÆST, restaurante que bebe das raízes italianas de Puglisi, e o Farm of Ideias, uma quinta biológica e laboratório, que ligava gastronomia e agricultura, abastecendo os seus restaurantes. Hoje, tem somente dois restaurantes. E mais tempo — ou liberdade — para pensar gastronomia e sustentabilidade. 

A ascensão da popularidade do chef retira-lhe a liberdade: verdadeiro, falso ou ambos? 

Ambos, claro. Com a popularidade, mais pessoas nos ouvem, o que exige que comecemos a pensar um pouco mais sobre aquilo que dizemos. As pessoas também esperam que tenhamos algo a dizer. Passámos de estar um nível acima dos marinheiros e dos criminosos para esta posição mais elevada, esta espécie de rockstar — uma ascensão super estranha na cultura pop. Por vezes, também tendemos a intelectualizar os chefs, a torná-los académicos, embora alguns o sejam, mas outros não. E acho que quem não é, não deve ser forçado a agir, pensar ou ser de uma determinada forma. Por outro lado, creio que é bom que algumas pessoas estejam a refletir mais. Resumindo, popularidade vem com responsabilidade.  

Como é que se sente no papel deste chef-rockstar? 

É muito misterioso. Faz-me refletir bastante. Sinto-me sortudo, porque fui, de certa forma, moldado para esta mudança. Comecei a trabalhar nesta indústria, aos 17 anos, quando se dava o final desta era, com um ambiente violento e intenso. E todos os que lá estavam, estavam porque apreciavam essa intensidade, essa adrenalina. Mas, ao mesmo tempo, sempre fui alguém que pensa muito. Portanto, foi bom encontrar-me numa situação onde me pediam para refletir sobre essas coisas, foi algo que encaixou bem na minha evolução. Já não sou tão intenso como costumava ser, pelo menos, não da mesma maneira. Isso reflete-se em todos os projetos que desenvolvi. E a idade também, para ser honesto, ajuda. A maturidade vem da idade, mas também das experiências e das coisas que nos acontecem. 

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