No mal-estar, quantifique, balize e pense pequeno

O mal-estar humano, tem muitas formas e dá por muitos nomes – doença, dor, ansiedade, depressão, tristeza, sofrimento, impotência, aflição,… Seja o que for, é muito democrático: bastam uns poucos de anos de vida adulta (e, muitas vezes, nem isso), e todos passaremos por lá. E, por isso, há uma base comum – quase uma fórmula, que convém termos todos bem presente.

Quantifique

Na verdade, é “nomeie e quantifique”. As duas acções puxam por um envolvimento cognitivo e mesmo neurofisiológico, que ajuda a criar algum distanciamento do turbilhão interno do mal-estar o que cria um espaço que permite pensar e abrir janelas para soluções possíveis – senão soluções que acabem com o mal-estar, pelo menos, que o ajudem a conter.

Então, vamos por partes.

Quando não está bem, sugiro que encontre um nome para esse não estar bem. E não é relevante qual é o nome – não há um nome certo. O que é relevante é passar para um nível que tem assento no meramente físico – o mal-estar – para um nível que já inclui a abstração da linguagem. “Estou a sentir-me (preencha o espaço em branco)”. E não fique por aqui. Tente encontrar palavras para descrever exactamente o que se passa: “É um aperto no peito, como se tivesse uma mão a envolver-me o coração e uma pedra pesada por cima”; “É uma dor com arestas pontiagudas, que se move devagar em movimentos circulares”. Mais uma vez, não importa se é a descrição “certa”, seja lá o que isso for. O que interessa é que está a puxar por áreas cerebrais que estão, habitualmente, silenciosas quando nos afogamos em mal-estar, e um maior envolvimento cerebral ajuda a equilibrar os termos do sofrimento.

E, depois, encontre uma forma de quantificar. Qualquer forma que funcione para si e seja fácil de manter é boa. Em Psicologia cognitivo-comportamental estas quantificações dão pelo nome de autoregistos e são um dos pilares destas intervenções por um bom motivo: são extremamente eficazes e úteis. Então, o que tem de saber? Aquilo que deve registar é: quando, quanto, o quê – e o resto que possa registar, depende do que estamos a falar. Ou seja, num papel, documento informático ou app, anote data e hora em que está a fazer o registo (se está mal de uma forma contínua aponte no final do dia a sua avaliação do dia; se tem mal-estar intermitente, anote os picos); depois, avalie o mal-estar de 0 (nada, estou óptimo) a 10 (pior que mal, estou no pior momento de que me lembro); e depois faça qualquer anotação que lhe pareça importante ou que seja diferente ou muito específica. Não só o facto de registar lhe dá uma sensação de controlo e de estar no comando, o que reduz sempre o stress e, portanto, melhora a componente subjectiva de qualquer condição, como fica com uma monitorização objectiva daquilo que se está a passar consigo e de como está a evoluir, para que possa tomar decisões e, inclusivamente, partilhar com algum profissional de saúde.

Balize

Sempre que há sofrimento, o cérebro esquece-se de lhe colocar um horizonte; instala-se uma sensação de perpetuidade, de um mal que mais nos aflige por imaginarmos que vai permanecer, que não cede, que não pára. É uma programação de base, aparentemente, e vá-se lá saber porquê – por mais que pense, não lhe vejo grande utilidade, ao contrário da maioria das reacções universais. Lá terá alguma, seguramente. Se descobrir, conte-me, porque tenho curiosidade!

E é por isso que uma das formas eficazes de reduzir o mal-estar, seja ele qual for, é considerar a dimensão temporal. Da última vez, quanto tempo durou? Quanto tempo mais acha que se vai manter (pelo menos, a parte pior)? Até quando (minutos, horas, dias, semanas; não interessa!) é que consegue suster a situação (antes de tomar medidas diferentes, de mudar a sua abordagem ao tema, de tomar medicação, de…)? Qualquer coisa que faça, que o leve a balizar no tempo o mal-estar que sente é um lembrete para o cérebro saber que não é infinito.

Pense pequeno

Não há nada de mais natural, do que querer que o sofrimento desapareça, sem deixar rasto físico ou de memória. Mas esta aspiração tão instintiva vem com uma factura elevada: avaliamos no tudo-ou-nada, e nessa dicotomia perdemos a subtileza dos gradientes. Pior do que isso, procuramos a grandeza de actos que possam terminar a grandeza da dor. De caminho, frustramo-nos e desesperamos, o que só acresce ao mal-estar.

Muito melhor é uma abordagem em que procuramos os pequenos resultados. Imagine uma febre de 40º. Talvez seja mais fácil baixá-la para 39º. E depois para 38. E depois… Grão a grão,… Procure as pequenas coisas que vão melhorar um pouco; e pode ser um pouco mesmo muito humilde. Continuando a fazê-lo, de uma forma continuada, tem maior probabilidade de chegar a um ponto de franca melhoria do seu estado.

Oficina de Psicologia
Foto: Sebastian Coman

Atualizado em 5 de Fevereiro, 2021
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