Suba o nível!

Mal-estar psicológico é bloqueio; psicoterapia é movimento.

Se os apetites lhe derem para isso, pode sempre mergulhar nas diversas definições de ambos – mal-estar psicológico e psicoterapia –  e nos intensos debates conceptuais em torno de definições diferentes, claro. Mas eu acho sempre que não vale a pena complicar mais a complicação da vida, por isso, prefiro manter esta minha definição simplista, até porque me ajuda a ir avaliando o que se passa em psicoterapia: o meu cliente move-se ou parou? Onde parou? Que tipo de impulso de movimento é que precisa?

O que nos leva a um tema de nível, porque o bloqueio reside a uma dada altitude e será necessário que o movimento venha de um ponto acima.

Não conseguimos resolver um problema usando o mesmo nível de raciocínio que usámos quando o criámos

Ou

Nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência com que foi criado

Ou diversas outras variações do tema, sempre atribuídas a Einstein e com direito a imagens motivacionais que pretendem estimular profundidades de pensamento.

Na verdade, e de acordo com quem percebe destas coisas, Einstein terá escrito num telegrama, em 1946, referindo-se a armas atómicas, à paz e à guerra (temas que o preocuparam sobremaneira nos seus últimos anos de vida, coincidentes com as ondas de choques posteriores à segunda guerra mundial): “É necessário um novo tipo de pensamento para que a humanidade possa sobreviver e movimentar-se para níveis mais elevados”.

E, se Einstein o diz, quem sou eu para o contradizer. Por isso, saltemos da física teórica para a psicologia clínica e da saúde, e vejamos como isso se aplica.

Todos os problemas contam com uma forte motivação para serem resolvidos, porque induzem um quadro emocional desagradável e, portanto, muito motivador. Deixe-me dar-lhe um exemplo comum. Imagine que o problema que quer resolver se refere a ansiedade.

Normalmente, um cliente com um tema de ansiedade surge-nos em consultório já com uma valente dose de tentativas prévias de resolução. E qual o problema que estão a tentar resolver? Resposta: “Como fazer desaparecer a ansiedade?”. Por isso, já tentaram relaxar, meditar, mudar alguns aspectos do estilo de vida para terem mais sossego, e perceber as origens da ansiedade. Estas são as soluções mais habituais, todas elas fracassadas, ou não teríamos nós uma pessoa sentada à nossa frente. E todas elas visam fazer desaparecer a ansiedade.

Ora a maioria dos problemas ansiosos mantém-se e agravam-se pela elevada valorização e centralidade que as pessoas dão aos sintomas da ansiedade. Repare: os sintomas são físicos, porque isto das emoções não são estados de alma etéreos, pensados e não vivenciados; por isso, existem no corpo – o coração que acelera, uma maior sudação, tonturas, apertos e pesos no peito, estômago e garganta, formigueiros, dificuldade em respirar, e várias outras aflições que mais não são do que um corpo que lhe diz que o seu sistema nervoso acelerou as rotações até ao vermelho.

Não pense que isto só acontece a uns quantos que, por isso, “têm um problema”. De todo! Esta aceleração interna excessiva de actividade de sistema nervoso acontece pontualmente um pouco a qualquer humano (pelo menos àqueles que vivem num mundo acelerado e cheio de pressão). A manutenção e agravamento, tanto quanto nos é dado perceber, discute-se ao nível do que acontece depois: alguns encolhem os ombros, seguem e não pensam mais nisso (e, também não estou aqui a dizer que seja a melhor estratégia, porque o corpo é que manda, e ignorar o corpo pode ter consequências); outros ficam a matutar sobre o assunto, entrando em bolas de neve de preocupação, e ficando muito atentos, sempre à escuta, à procura de sinais, que signifiquem que vão voltar a sentir o que sentiram. São estes últimos que têm uma maior probabilidade de virem a ter um “problema” com ansiedade.

E não só a atenção fica mais dominada pelo “falar” do corpo, como, quando ele “diz qualquer coisa”, as pessoas que desenvolvem um tema ansioso, valorizam esses sinais, entendem-nos como sinais de perigo, preocupam-se e – claro – geram mais ansiedade. E esta preocupação com o tema gera um ciclo vicioso que não cede perante relaxamentos desesperados ou meditações frenéticas – está a ser tratado ao mesmo nível, pelo que nada se resolve.

Também se dá um outro fenómeno, universal na natureza dos seres vivos: a ansiedade cria um movimento imediato de retracção, de evitamento. Faz sentido, não? A ansiedade é um sinal de que o cérebro entendeu algo como potencialmente ameaçador para o seu dono, por isso, põe em marcha, em milissegundos, toda uma reacção que nos faz encolher e desandar dali. Assim se salvaram muitos homo sapiens, presumo, nos tempos em que aquilo a que o cérebro reagia era aquilo que existia realmente de ameaçador. Agora, num mundo urbano sem bichos que nos queiram para pequeno-almoço e outros perigos ancestrais, o cérebro continua a ter “templates” para isto e a tentar interpretar o nosso mundo feito de gigabytes com base na sua programação analógica prévia, pelo que o nível de alarme que sentimos a disparar é elevado, mas pouco adaptado ao perigo real do que nos rodeia. E quando se evita um tema, e se quer evitá-lo ainda mais, fazendo com que desapareça das nossas vidas, acontecem algumas coisas:

  • Uma é a escassez de testes: uma realidade que eu evito é uma realidade que desconheço. Imagino, claro. Catástrofes, infernos e tempestades. Imagino que posso morrer, endoidar de vez, estilhaçar-me em mil bocados, doer-me para lá dos meus limites. Mas, na verdade, não sei. Nem vou saber enquanto não enfrentar, observar e aprender.
  • A outra coisa que acontece é uma guerra perdida… Ora tente lá, hoje à noite, ir para a cama, e começar a pensar que tem mesmo de dormir rapidamente, porque senão acontecem-lhe coisas más. Tem mesmo, mesmo, que dormir, depressa… Nem precisa experimentar, pois não? É instintivo: querermos comandar algo que não depende da vontade, apenas piora a situação, num efeito paradoxal.


Portanto, surgem sinais ansiosos, a pessoa tenta fugir-lhes e apenas gera mais ansiedade no processo. Está a tentar lidar com o tema ao mesmo nível.

Então subir o nível será o quê?

Subir o nível implica sempre interrogar-se sobre as estratégias que está a usar, a forma como está a pensar sobre os temas ou os padrões emocionais que surgem perante as situações, observar os problemas como um todo, com princípio, meio e fim. Isto significa que interpõe algum distanciamento do mundo experiencial – porque ninguém consegue olhar para uma realidade, enquanto está completamente embrulhado nela. E neste distanciamento ganham-se graus de liberdade e liberta-se a capacidade de análise crítica.

Voltemos ao exemplo de onde partimos. Subir o nível significaria que, em vez de se desdobrar em tentativas de afastar a ansiedade, se colocasse questões como:

  • O que me leva a acreditar que a ansiedade é perigosa? Que evidências tenho nesse sentido?
  • O que aconteceria se a aceitasse pacificamente enquanto faço a minha vida, sem mais delongas ou ruminações?
  • Que sentido de fragilidade minha é que pode estar a contribuir para esta ideia de que não consigo suster o desconforto de um corpo agitado, até que a energia se disperse?
  • Onde aprendi que uma pessoa não pode confiar nela própria, no seu próprio corpo, e até que ponto me parece útil actualizar essa aprendizagem com as coisas que já conheço sobre mim?
  • Qual o padrão em que surge a agitação interna (ao longo do tempo, ao longo do dia, de acordo com coisas que se passam dentro de mim ou à minha volta)?
  • O que já experimentei quando estou agitado e que não funciona? E o que funciona? Já repeti as coisas que funcionam?
  • E se experimentar ficar uns minutos com esta ansiedade, em vez de me tentar libertar dela de qualquer forma? Quanto tempo durará? O que poderei observar que possa, até, ser interessante?
  • Que outras situações na minha vida me criam desconforto com tudo o que não posso controlar de uma forma directa?
  • O que acontece quando me preocupo com o que pode acontecer no meu futuro quando penso nesta agitação interna que surge sem mais nem porquê?
  • Como é a história completa, a dança habitual, sempre que dou pela ansiedade instalada? O que acontece antes, como eu reajo durante e depois do pico?
  • Como é a sensação geral que tenho por ser abalada por este tsunami interno? É uma sensação de um ser frágil ao sabor das ondas? Em que mais situações da minha vida eu tenho um vislumbre desta fragilidade ou incapacidade para me manter à tona? É real ou apenas uma sensação que vem, talvez, da forma como cresci?


Como vê, há diversas formas de abordar um problema, todas elas capazes de ajudarem a “desencravá-lo” de círculos que têm estado a ser ineficazes. Claro que fazer isto sozinho é obra! Felizmente, há psicólogos clínicos e da saúde para o ajudarem neste caminho.

Oficina de Psicologia
Foto: BanterSnaps

Atualizado em 8 de Julho, 2021
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