Carlos Teixeira

Nos últimos sete anos tem vindo a fazer um trabalho notável no restaurante Esporão, na Herdade com o mesmo nome, em Reguengos de Monsaraz, ao usar produtos locais, boa parte deles cultivados ali bem perto. Aos 29 anos, Carlos Teixeira detém um dos mais recentes restaurantes galardoados com uma estrela Michelin e ainda uma estrela verde, que promove a sustentabilidade.

Era um objetivo conquistar uma estrela Michelin antes dos 30 anos? 

Nunca tive esse objetivo em mente, nem antes nem depois dos 30 anos. Claro que é gratificante e é um marco de qualidade que qualquer cozinheiro gostaria de receber, mas nunca foi o meu propósito. Ter alcançado esta conquista de forma natural, seguindo a nossa identidade, a trabalhar no que acreditamos e com rigor na qualidade, foi o melhor prémio que poderíamos ter recebido. 

Num cenário mais recente, e antes do restaurante Esporão, o Alentejo apenas era representado no guia Michelin pelo L’and Vineyards, (embora o restaurante a tenha perdido em 2019). O que esta distinção significa para região? 

Esta distinção vem enriquecer, ainda mais, a região e valorizar o interior do país, do Alentejo, e também de Portugal, que é um dos nossos focos. É um reconhecimento do trabalho que temos vindo a fazer no Esporão nos últimos anos, que se caracteriza pela utilização dos produtos da nossa horta, pela escolha de produtos locais, em constante sintonia com os produtores da nossa região. Em vez de trufas, caviar ou lavagante escolhemos produtos de proximidade, lúcio-perca do Alqueva, lagostins do rio, animais inteiros que desmanchamos na cozinha e aproveitamos integralmente. 
 
Qual a mais-valia de um restaurante como o Esporão estar situado no território alentejano? 

Desde os ingredientes e sabores da gastronomia local às paisagens tranquilas e à riqueza deste património, a região apresenta condições únicas para a agricultura e uma extraordinária biodiversidade que nos ajuda a produzir em equilíbrio com o meio ambiente.  

Teres recebido a estrela verde que premeia a sustentabilidade, na última cerimónia da Michelin, surpreendeu-te? 

Quando recebemos o convite para ir a Valência, sentíamos uma leve esperança de poder vir a conquistar a Estrela Verde, nunca a estrela Michelin. Concretizar isso foi muito especial. Receber este prémio foi um reconhecimento da nossa identidade e das nossas práticas. Acreditamos cada vez mais que os produtos que nos rodeiam não são uma limitação, mas sim uma inspiração para a nossa cozinha. Uma cozinha sazonal, local e consciente. 

Que práticas o restaurante assume para atingir esse patamar de sustentabilidade? 

O restaurante assume várias práticas com base no desperdício zero, tais como, a redução de papel e eliminação de plásticos de uma só utilização, a limpeza das próprias águas para reutilização das mesmas ou a compostagem dos produtos. Aproveitamos praticamente tudo o que sobra, para fermentações, pickles e conservas, e utilizamos nas diferentes alturas do ano. Por exemplo, as cascas de limão e de laranja, usamos para fazer sumos, congelamos e reservamos para mais tarde fazer kombuchas; todo o tomate que não utilizamos, fazemos molho de tomate, conserva de tomate, doce de tomate e mais um número sem fim de aproveitamentos. Toda a nossa cozinha tem como filosofia a reutilização do produto. Além disso, temos alguma produção animal na Herdade, borregos, porcos, e este ano vamos ter um galinheiro. Outra solução que criámos para o vinho que sobra das garrafas, foi guardar e reservar para fazer vinagres para a cozinha. Sem esquecer, as práticas básicas da reciclagem dos cartões, das rolhas de cortiça e garrafas de vidro. Mesmo com os fornecedores, que estão a par da nossa preocupação, criámos regras, havendo coisas que recusamos se não vieram em caixas que possamos devolver, para não criar mais lixo. São medidas que temos vindo a dar atenção e, hoje em dia, toda a nossa equipa de cozinha e de sala já tem estes cuidados bastantes afinados. 

No restaurante tens a oportunidade de utilizar o azeite e o vinho da Herdade do Esporão, bem como tens produção animal no terreno e uma horta. Qual a percentagem de produtos que são de produção própria? 

Não conseguimos ter uma percentagem exata, mas no inverno é por volta dos 30% e no verão é cerca de 60/70%. No verão a zona de cultivo é proporcionalmente maior que no inverno. No entanto, e tendo em conta que estamos sempre a falar de agricultura biológica, a quantidade vai dependendo dos animais e das produções que vamos tendo na Herdade.   

Nos últimos anos frequentaste estágios em restaurantes que seguem a linha que estás agora a seguir, como o Nolla e o Blue Hill. O que retiraste dessas experiências? 

Foram duas experiências completamente diferentes. O Nolla é um restaurante mais pequeno, que está numa cidade. No entanto, conseguiu adaptar-se muito bem a várias questões de sustentabilidade. Tem um método de compostagem espetacular em que, por exemplo, o papel que compram é feito à base de celulose, ou seja, podem compostar o papel e tudo o que sobra dos clientes. Além disso, fazem um trabalho muito interessante focado 100% na sustentabilidade e 0% de lixo. Nós estamos a trabalhar para alcançar também este tipo de práticas, e é nesse sentido que queremos ir. O Blue Hill é uma quinta que trabalha no sentido do equilíbrio ambiental, da estrutura do solo e de um cultivo melhor e mais nutritivo possível para o restaurante. Eu costumo dizer que acaba por ser um restaurante didático, porque eles ensinam sobre produção sustentável, animal e agrícola durante a refeição. Aprendi muita coisa em ambos os sítios, de modos diferentes, com mentalidades diferentes e exigências diferentes, mas sempre com o mesmo foco da sustentabilidade e equilíbrio ambiental. 

Voltando ao início, como começaste a cozinhar? 

Quando os meus pais se separaram, eu, com 8 anos, e o meu irmão mais velho, ficámos com o meu pai, e ele chegava tarde a casa por isso começámos a cozinhar. Foi aí que comecei a fazer arroz branco, bifes fritos, ovos estrelados e comecei a gostar de cozinha. Quando acabei o meu 9º ano e chegou a altura de decidir fui para um curso profissional de cozinha. 

Passaste por Espanha e Inglaterra antes de voltares a Portugal, como é que essas experiências moldaram a tua cozinha? 

O estágio que fiz em Espanha, no Hotel Claris, moldou-me mais como pessoa do que como cozinheiro porque foi a primeira experiência que tive fora de Portugal. Relativamente a Inglaterra, fez-me crescer nos dois sentidos porque tive experiências melhores e piores. Tive um ano em Inglaterra e isso moldou-me muito a nível pessoal ao ter de aguentar estar longe dos meus amigos e da minha família, já para não falar do clima, que é bastante diferente de Portugal. Relativamente à experiência de cozinha, foi muito exigente mas fez-me crescer bastante como cozinheiro e acho que foi lá que me apercebi que queria começar a trabalhar com qualidade e a dar mais importância aos produtos. 

Que planos tens para o futuro? 

Continuar a desenvolver e a trabalhar neste projeto, com a nossa equipa de sala e cozinha do restaurante, e obviamente com o apoio do Esporão. O facto de não nos sentirmos completamente felizes é bom, porque é sinal que é possível concretizar mais. Entre outros planos que fazem parte do futuro, por exemplo, criar uma maior produção animal e eliminar completamente as embalagens. Para nós também é importante partilhar cada vez mais o que fazemos, trocar ideias para perceber onde podemos melhorar, que mais cuidados podemos ter e como é que tornamos a nossa cozinha mais amiga do ambiente. Outra questão que temos vindo a desenvolver é o cuidado e o querer formar jovens cozinheiros, com a nossa presença nas escolas de hotelaria através de formações e aulas, e também a receber alguns estagiários que acabam por ser formados aqui, porque passam por vários processos, desde a produção de alimentos até ao serviço ao cliente. Esta aposta na formação dos jovens é um tema muito importante para nós porque é o futuro da nossa cozinha e esperamos que eles ainda sejam melhores e tragam ainda mais conhecimento, informação e valor. 

Foto: Theo Gould

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