Entrevista ao artista Francisco Eduardo

“É um humano peculiar. Malandro no olhar, mas muito trabalhador ao nível do coração. Luta por ele e pelos outros.” Assim se define Francisco Eduardo, o artista que, por todo o país, gere múltiplos projetos de desenho, ilustração e vídeo. 

Francisco Eduardo nasceu em Aveiro, em 1984. Desde cedo, ficou evidente para a sua família que se interessava por artes. “O garoto gosta de artes? Só se for para arquitetura”, diziam todos, à excepção da mãe que defendia que pintura, nas Belas Artes, também era uma licenciatura. Aliás, a mãe fora a responsável pela aptidão que ele, já em criança, desenvolvera para o mundo artístico: “Tínhamos três anos e o meu irmão (gémeo) começou a ler subitamente! Caramba, o miúdo era esperto e ter-me-ia deixado em maus lençóis se não fosse a minha mãe que, a querer equilibrar as odes, me agarrou num braço e disse: anda cá, filho, que também vais saber fazer alguma coisa de jeito!”, conta Francisco, rindo. A mãe, designer gráfica, ensinou-o então a desenhar, acendendo-lhe essa paixão que nunca mais se apagou. Mais tarde, e já determinado a seguir os seus sonhos, o jovem candidatou-se ao curso de Artes Plásticas, entrando na Universidade de Belas Artes do Porto, cidade que, para si, significou também grandes recomeços não só profissionais, como também pessoais. Esses tempos fizeram-no perceber que a arte é uma “conversa global e que tem de se encontrar os momentos certos e a pertinência para se entrar nessa conversa.” Comunicador e cheio de garra para abraçar projetos (e pessoas), para Francisco nada era interessante sozinho, procurando sempre uma relação de cumplicidade com os outros. “O interessante era colaborar com outros colegas. O meu primeiro grande projeto, em grupo, foi ainda académico. Chamava-se Projecto Individual e envolveu dúzias de pessoas. Lembro-me, por exemplo, de ter assobiado em coro a música da Robbialac na inauguração da nova galeria da Faculdade ou de ter ido, de noite, com os mesmos amigos, substituir todas as faixas das 17 galerias da rua Miguel Bombarda que inauguraram com o meu nome no dia seguinte. Fiz parte, também, de um atelier chamado Bolos Quentes e foi com eles que percebi que, o que quer que fosse fazer no futuro, também passava por aquilo que eles faziam – design.” O design trouxe-lhe novas oportunidades. “Ainda no Porto, convidaram-me para uma exposição coletiva no Espaço Campanhã. Lembro-me de estar com as pessoas envolvidas para se decidir que lugar atribuir a cada artista lá dentro e eu esperava a minha vez para pedir um sítio que tinha visto lá fora – um outdoor. Queria escrever lá uma frase. E a propósito das estratégias, conversava com um amigo artista no Passos Manuel, que me dizia: Ó Chico, acho que devias escolher outras palavras para ficar mais arte. E eu pensei e disse-lhe com toda a minha genuinidade ou ingenuidade: “A minha cena é outdoor”, e foi o que ficou!” 

Projetos a curto e longo prazo 

Muitos outros trabalhos se seguiram. Empenhado e ativo, Francisco está envolvido atualmente em vários projetos de diferentes vertentes artísticas. “De momento, estou a terminar um livro com muitas ilustrações bonitas sobre as espécies autóctones, editado pela Fundação de Serralves; faço a direção de arte do festival gastronómico Chefs on Fire há cinco edições; dirijo e faço o marketing do vinho Que se foda; crio cenários para a pianista Joana Gama; colaboro com a Raquel da Silva num documentário ambicioso chamado “10 Grãozinho di Terra e Sal” e preparo uma exposição e uma publicação pessoal para o fim do ano”, enumera o artista, acrescentando ainda que há sempre um retrato ou um logo para um cliente ou um rótulo do Monte da Raposinha para desenhar. Um dos seus projetos mais recentes foi também o “desenho com a cabeça” (a propósito, a mãe sempre lhe disse que “não se desenhava com a mão, desenhava-se com a cabeça”). Este desenho foi feito para os arquitetos do Atelier Réalité. “É um site simples e lindíssimo, em que o scroll faz mexer a luz (https://atelier-realite.pt)”, refere, convidando-nos a visitar o espaço.   

Com os seus desenhos, Francisco Eduardo levanta várias questões relacionadas com a composição e a organização dos elementos dentro de um formato, questionando os próprios formatos nas suas partes preenchidas e vazias. “Faço muita ilustração a lápis, por vezes científica, e quando deixo bocados por fazer é quando se percebe que a folha era branca; isto mostra o processo e acho isso bonito”, diz o artista, salientando também que um dos elementos que mais o inspira é a linguagem. “A língua é, para mim, uma espécie de jogo, que tem regras, mas que podem e devem ser testadas, nem que seja por uma questão de humor. Fazê-las funcionar no jogo maior da linguagem, articuladas com a liberdade que a imagem proporciona, associadas a entendimentos comuns, é um desafio que me satisfaz muito.” 

Francisco Eduardo é bem direto na mensagem que pretende passar com a sua arte. “O que quero exprimir aparece no contra-rótulo de um “vinho arte” que criei na altura da pandemia – o Que se foda. E a mensagem é a seguinte: Quando estamos na dúvida, muitas vezes os nossos medos ganham aos nossos sonhos e é nessa altura que é preciso dizer: Que se foda.” A sua intenção, enquanto artista, é focar-se no que considera ser “o único caminho para se defender o direito de exprimirmos os pensamentos e sentimentos – escutar, saber reconhecer e não permitir que o conflito se transforme em violência.” O Que se foda de Francisco Eduardo é, pois, um “grito educado de liberdade”. 

NOTA: Este artigo foi publicado originalmente na revista INTER Magazine e é da autoria de Nélson Marques.

Foto: Humberto Mouco

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