É o fim da carne no fine dining?

Texto: Ana Bernardino
Foto: Humberto Mouco

Os vegetais são estrelas em ascensão; a fronteira atlântica garante pescado fresco a toda a hora; a ciência aponta o dedo aos efeitos nefastos da pecuária. Que lugar ocupa a carne no fine dining?  

Terão sido os primeiros ventos de mudança? Possivelmente. Em 2001, Alain Passard surpreendeu o universo da alta cozinha ao anunciar que a carne deixaria de fazer parte do menu do reputado Arpège, restaurante parisiense descrito como uma rôtisserie (em português, churrasqueira). Naquele momento, o chefe francês traçava novos objetivos: focar-se em pratos vegetarianos, explorando horizontes que abrissem portas a propostas gastronómicas mais saudáveis e amigas do planeta. Uma decisão muitíssimo arriscada no início do novo milénio, quando termos como “flexitariano”, “veganuary”, “plant-based” ou “farm to table” estariam algures entre o desconhecido e o excêntrico. Passard, que já havia conquistado três estrelas Michelin (o mais alto reconhecimento gastronómico) com a versão carnívora do seu Arpège, tornava-se nesse momento num visionário e pioneiro. Trabalhava com pequenos produtores locais e de acordo com o que a estação ditava. “O homem que tornou a cozinha vegetariana cool”, escrevia 14 anos depois a revista “Bon Appetit”. 

Com o correr dos tempos, muitos foram os que lhe seguiram o passo. Em 2021, Alexis Gauthier, à frente do londrino Gauthier Soho, foi mais longe: tornou-se vegan e retirou todos os produtos de origem animal do menu. Do outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, também Daniel Humm pôs carne e peixe de lado. “É tempo de repensar o conceito de luxo”, declarou o chefe à frente do Eleven Madison Park (três estrelas Michelin e o Melhor Restaurante do Mundo, em 2017), citado pela revista “Time”. Mais do que olhar à raridade e ao consequente valor monetário de produtos como foie gras, Kobe beef ou caviar, estabeleceu o suíço, o essencial seria valorizar técnica, conhecimento e criatividade. 

À sua volta, o chefe João Oliveira reconhece que a redução da carne no fine dining é uma tendência, mas acredita que, mais do que ecológico, o fenómeno é justificado, antes, pela vontade em trazer mais leveza aos menus de degustação — experiências que tendem a envolver uma dezena de pratos ou mais. “Geralmente, temos de acrescentar um demi[-glace], um caldo, uma coisa forte para ajudar a carne a sobreviver no prato, porque as carnes não são tão delicadas e saborosas como o peixe”.  

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