Texto: Ana Bernardino
Foto: Humberto Mouco
O Hinduísmo não é só uma religião, é uma filosofia que molda rituais, costumes e gastronomia. Na Cantina Indiana a comida é vegetariana, fresca e com propósito: a elevação espiritual.
Deus é sempre o primeiro a ser servido. Por volta do meio-dia, o sacerdote sobe a escadaria do imponente Templo Radha Krishna e oferece uma porção de cada parte da refeição à divindade máxima. Profere as orações, os mantras e depois come. “Estamos a oferecer a Deus aquilo que ele nos deu”, explica Nalini Mulji. “Em casa, depois de oferecermos, misturamos novamente com a nossa comida”.
Uma expressão de devoção e de gratidão, que havia sido cumprida momentos antes de chegarmos à Cantina Indiana, na Comunidade Hindu de Portugal, um dos mais elogiados restaurantes vegetarianos de Lisboa (com uma excelente relação qualidade-preço) — a funcionar muito antes do boom da cozinha de base vegetal. “Inicialmente, foi criada só para os funcionários”, recorda a mulher de Manuel Mulji, presidente da Comunidade Hindu, e professora de aulas de culinária e workshops.
Sentados numa das mesas que compõem a ampla sala, observamos o tabuleiro de metal redondo com três tigelas. Ao conjunto é dado o nome de thali. “É típico na Índia. Pode ser só o prato ou pode ser um prato com vários tipos de comida servida”.
Com os comandos da cozinha nas mãos de Paresh Menaria e Shantilal Vyas, o menu que espera o comensal aguarda-o disposto num colorido buffet. Contém o que se ofereceu a Deus momentos antes: sopa de lentilhas à qual, por sugestão de Nalini, adicionamos bagos de arroz basmati — tornando-se quase numa refeição completa. Depois, lentilhas mung, refogadas numa masala (junção de vários condimentos) com açafrão da terra, mostarda, uma mistura de cominhos e coentros em grão. O picante? É adicionado à parte, a partir de uma das três tigelas com molhos ali disponíveis.
O nosso tabuleiro está coberto de um bonito cor de laranja vivo, com a excepção da salada de batata e berinjela e do pão tipicamente indiano O roti é feito com farinha integral e água, vai à chapa, incha e desincha, ganhando uma textura achatada. Um conhecido substituto dos talheres — ou, a bom rigor, do talher. “Só pomos uma colher na mesa porque, idealmente, comemos à mão”, indica. Uma prática enraizada na espiritualidade e cosmologia hindu: “Cada um dos dedos representa cinco elementos com os quais o nosso corpo é feito: terra (prithvi), água (ap), fogo (tejas), ar (vayu) e éter (akasha)”.
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